Com a frota de carros elétricos se expandindo no Brasil, também cresce a busca por pontos de recargas em prédios e estacionamentos comerciais. No caso de quem busca apartamentos, as construtoras já anunciam o preparo da rede elétrica como diferencial do empreendimento. Mas engenheiros e arquitetos temem resultados catastróficos enquanto as regras de segurança para esses eletropostos não se consolidam. O Crea (Conselho Regional de Engenharia, Agronomia e Agrimensura) do estado de Sergipe divulgou nota técnica em 3 de junho recomendando que carros elétricos não sejam carregados em condomínios, garagens subterrâneas, shoppings e outros tipos de estacionamento semelhantes. A sugestão é de que as recargas ocorram em locais abertos, com separação mínima de três metros entre os veículos. "Os modelos estruturais de nossas edificações não estão dimensionados para resistir à potencialidade do incêndio causado por baterias de íons de lítio", diz o Conselho Regional de Engenharia Agronomia e Agrimensura do estado de Sergipe. A justificativa é de que os incêndios provocados pelas baterias automotivas são muito mais quentes do que o normal, e as regras de proteção contra fogo atuais não são o bastante. Segundo a ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas), o fogo a 600 °C já diminui em 55% a resistência do concreto à compressão. No caso do incêndio de um carro elétrico, a temperatura chega aos 1.000 °C, diz o conselho. Nessas condições extremas, "pode ocorrer colapso parcial ou total das estruturas", reforça o Crea. Outro risco apontado é a ventilação deficiente, incapaz de remover vapores tóxicos liberados junto ao fogo da bateria. Por que é tão difícil?A maioria dos incêndios convencionais é controlada ao remover um dos três itens que formam o "triângulo do fogo": calor, combustível ou comburente. No caso de bateria de lítio, entretanto, deve-se combater a reação química, que compõe o quarto item do novo "tetraedro do fogo", como já é utilizado em brigadas ao redor do mundo. Nesse tipo de fogo, é obrigatório o uso do extintor de incêndio de classe D, de fórmula química especial e cilindro de 9 kg, que beira os R$ 3.000. Usar água nessa situação, enfatiza o órgão, é extremamente perigoso pelo risco de alimentar a reação do lítio. Em carros elétricos, motivos para incêndios incluem danos mecânicos como perfuração das células de energia e fugas de corrente. Novos revestimentos dos compartimentos, software refinado e baterias de estado sólido são algumas soluções apresentadas pela fabricante. Mais seguroAinda que incêndios em carros elétricos sejam mais graves, um veículo equivalente a combustão tem até 60 vezes mais chance de pegar fogo ao longa da vida útil, segundo a Associação Brasileira do Veículo Elétrico (ABVE) A ABVE cita o caso de um ônibus elétrico de São Paulo (SP), que bateu em um poste e tombou em dezembro de 2024. As chamas pós-acidente consumiram carroceria e cabos, chegando a envolver as baterias, mas o isolamento térmico evitou a reação química. "Se o acidente envolvesse um ônibus a diesel, o risco ambiental seria grave devido à inflamabilidade e toxicidade do combustível", disse Clemente Gauer, diretor do grupo técnico de segurança da ABVE durante a investigação do caso. "O vazamento poderia gerar um fluxo de incêndio em superfície líquida — o chamado 'rio de fogo' — que, além de se propagar rapidamente, contaminaria o solo e a água com resíduos tóxicos do diesel", complementou. Outra situação ocorreu em um prédio de Itajaí (SC), em maio de 2024: um incêndio na garagem do condomínio foi, inicialmente, atribuído a uma scooter elétrica estacionada no local. Posteriormente, conclui-se que ele surgiu em um carro a combustão. A moto, situada a 2 m de distância, teve pneus e estofamentos destruídos pelas chamas. A bateria, diz a análise da ABVE, ficou intacta. Mudança em breveSegundo o coronel Max Schroeder, da Escola Superior de Bombeiros de São Paulo, é questão de pouco tempo para que haja uma norma de validade nacional regulando o carregamento de veículos em prédios. A fim de analisar resultados em um workshop do tema, na última sexta-feira (6) os bombeiros paulistas montaram um prédio-laboratório em Franco da Rocha (SP), onde foram queimados seis carros diferentes desde o início do mês. Os veículos — elétricos, híbridos e de combustão — tiveram seus incêndios gravados por uma câmera especial, que analisa a temperatura e detecta a emissão de gases específicos. Houve a presença de bombeiros de outros estados e da Ligabom — entidade que padroniza normas em nível nacional. Além disso, técnicos estrangeiros também comentaram e ajudaram na avaliação de mecanismos de prevenção. "Estamos errando agora, em ambiente de testes, para não errar nas ocorrências reais", disse o major Ronaldo Ribeiro, coordenador da Comissão Estadual de Estudos sobre Eletromobilidade de São Paulo. Segundo ele, o documento final incluirá "técnicas vistas no exterior, adaptadas à realidade brasileira". Com base em países onde a eletrificação está mais avançada, essas técnicas podem incluir cortinas corta-fogo e exaustores. O nível de exigência tende a crescer de acordo com a potência instalada no ponto de recarga e a quantidade de tomadas, entre outros itens. |