Classificação e Jogos
O Equador ganhou fácil, extremamente fácil, por 2 a 0 do Qatar ontem (20) na abertura da Copa do Mundo de 2022. As duas seleções, porém, saíram de campo igualadas em um ponto que merece maior reflexão: ambas eram comandadas por técnicos estrangeiros.
Gustavo Alfaro, o vencedor, nasceu na Argentina, e é figurinha fácil na memória do torcedor brasileiro. Era ele o treinador que tirou os jogadores do Arsenal-ARG da delegacia de Belo Horizonte depois da briga com a polícia na Libertadores de 2013. Era Alfaro também o técnico do Boca Juniors que atropelou o Athletico nas oitavas da Libertadores de 2019. Em 2020, logo depois de deixar o clube xeneize, ele abraçou o desafio de levar o Equador à Copa.
Pelo outro lado, o Qatar foi comandado pelo espanhol Félix Sánchez, em seu quinto ano de trabalho no país. Ele ocupou a vaga de Jorge Fossati, uruguaio que (alguém se lembra?) comandou o Internacional em boa parte da campanha campeã da Libertadores de 2010.
Discreta baixa
A febre vivida pelo futebol brasileiro com os técnicos estrangeiros não é tendência nas seleções desta Copas do Mundo. É o que demonstra o levantamento do UOL Esporte com a nacionalidade dos treinadores da Copa atual e das anteriores.
O Mundial que começou ontem no Qatar tem 11 técnicos estrangeiros — e sendo ainda rigoroso para incluir o treinador de Marrocos, que nasceu na França e se naturalizou já adulto para jogar na seleção que hoje dirige.
Ao todo, 21 técnicos trabalham no Qatar-2022 comandando seleções do país onde nasceram. A quantidade de estrangeiros (11) caiu. Na Rússia-2018, participaram 12 técnicos gringos; no Brasil-2014, 14.
Ninguém viu o Brasil
Pentacampeã, a seleção brasileira é a recordista de títulos da Copa do Mundo, como todos sabem. E nenhum outro país disputou todas as Copas (22 vezes com esta).
Na hora de recorrer ao "gingado brasileiro" para treinar seleções de fora, tal conhecimento, porém, não é absorvido já há preocupantes três Copas.
O último técnico brasileiro a dirigir uma seleção estrangeira numa Copa foi Carlos Alberto Parreira, que treinou a anfitriã África do Sul em 2010.
A campanha foi magra, mas não chegou a ser uma decepção. Eliminada na primeira fase, a seleção terminou em 20º, deixando ainda 12 países para trás.
Antes disso, técnicos brasileiros comandaram equipes que entraram para a história das Copas. O maior exemplo é Otto Glória, técnico do incrível Portugal de Eusébio que encantou o mundo com o terceiro lugar na Copa de 1966.
Falar de Portugal é falar também de Luiz Felipe Scolari, arquiteto do quarto lugar dos lusos na Alemanha-2006, logo depois do penta do Brasil.
Em 1970, enquanto Pelé, Tostão e companhia gritavam o tri, Didi, o "Folha-Seca", levava o Peru ao sétimo lugar daquele Mundial (alguém imagina a zebra que seria hoje?).
Outro que merece menção é Paulo César Carpegiani, que treinou o bravo Paraguai na Copa de 1998, encarando a França e perdendo nas oitavas de final apenas na então "morte súbita" da prorrogação.
Pelo menos no placar, dá para dizer que fez jogo mais duro com a então campeã que o Brasil de Zagallo, atropelado por 3 a 0 na decisão.
É o próprio Carpegiani que lamenta a ausência brasileira. "Treinar uma seleção de fora em um ciclo completo, disputando eliminatórias e Copa do Mundo, é um voto de confiança muito grande", contou ao UOL Esporte.
"A falta de brasileiros é sim para se lamentar, a Copa é o ápice do futebol", resume ele, que conquistou a Libertadores e o Mundial com o Flamengo e teve extensa carreira de 37 anos (1981 a 2018) como treinador.
Por parte dos treinadores, uma das teses da ausência brasileira nas seleções estrangeiras em Copas diz respeito à valorização do mercado nacional.
"Antes, o técnico ia para o país incipiente no futebol em busca de bons salários", comenta René Simões, que treinou a Jamaica na Copa de 1998 e dirigiu também as seleções de Costa Rica e Honduras (sem participar de Mundiais).
"Isso não existe mais, e um dos contextos é o econômico. O futebol brasileiro tem uma liga forte financeiramente que absorve os melhores profissionais locais e até estrangeiros", conclui René.
De acordo com a mesma análise, com um futebol cada vez mais profissional ao redor do mundo, a necessidade por conhecimento estrangeiro hoje é pontual.
Carlos Alberto Parreira é a principal referência quando o assunto é experiência no comando de seleção estrangeira em Copas, treinando Kuwait, Arábia Saudita, Emirados Árabes e África do Sul.
E o que o fez repetir a experiência tantas vezes? Saber se adaptar. "Não posso mudar uma coisa que já existe. O brasileiro gosta do futebol fantasia, mas não posso reverter um ambiente, e sim tentar enriquecê-lo. Foi deste jeito que tentei implantar minha filosofia de trabalho."
"Não posso violentar o talento de um jogador, preciso aproveitá-lo em prol do conjunto. Você precisa acompanhar tudo minuciosamente, porque o tempo de trabalho é curto e qualquer choque de cultura pode deixar tudo menos ágil e objetivo", finaliza Parreira, um ativo palestrante e conselheiro técnico da Fifa no alto dos seus 79 anos e de uma carreira mundialmente respeitada.
Copa-2022: técnicos do próprio país - 21
Argentina: Lionel Scaloni (argentino, 44 anos)
Senegal: Aliou Cissé (senegalês, 46 anos)
Camarões: Rigobert Song (camaronês, 46 anos)
Gana: Otto Addo (ganês, 47 anos)
Uruguai: Diego Alonso (uruguaio, 47 anos)
País de Gales: Robert Page (galês, 48 anos)
Suíça: Murat Yakin (suíço, 48 anos)
Estados Unidos: Gregg Berhalter (norte-americano, 49 anos)
Dinamarca: Kasper Hjulmand (dinamarquês, 50 anos)
Tunísia: Jalel Kadri (tunisiano, 50 anos)
Espanha: Luis Enrique (espanhol, 52 anos)
Polônia: Czeslaw Michniewicz (polonês, 52 anos)
Inglaterra: Gareth Southgate (inglês, 52 anos)
França: Didier Deschamps (francês, 54 anos)
Japão: Hajime Moriyasu (japonês, 54 anos)
Alemanha: Hansi Flick (alemão, 57 anos)
Sérvia: Dragan Stojkovic (sérvio, 57 anos)
Austrália: Graham Arnold (australiano, 59 anos)
Brasil: Tite (brasileiro, 61 anos)
Portugal: Fernando Santos (português, 68 anos)
Holanda: Louis Van Gaal (holandês, 71 anos)
Copa-2022: técnicos estrangeiros - 11
Irã: Carlos Queiroz (português, 69 anos)
Qatar: Felix Sánchez Bas (espanhol, 46 anos)
Canadá: John Herdman (inglês, 47 anos)
Marrocos: Walid Regragui (francês naturalizado marroquino, 47 anos)
Bélgica: Roberto Martínez (espanhol, 49 anos)
Arábia Saudita: Hervé Renard (francês, 53 anos)
Coreia do Sul: Paulo Bento (português, 53 anos)
Croácia: Zlatko Dali (bósnio, 56 anos)
México: Gerardo Martino (argentino, 59 anos)
Equador: Gustavo Alfaro (argentino, 60 anos)
Costa Rica: Luis Fernando Suárez (colombiano, 62 anos)
Técnicos brasileiros em outras seleções nas Copas
Otto Glória (Portugal) - 3º em 1966
Didi (Peru) - 7º em 1970
Tim (Peru) - 20º em 1982
Carlos Alberto Parreira (Kuwait) - 21º em 1982
José Faria (Marrocos) - 11º em 1986
Evaristo de Macedo (Iraque) - 23º em 1986
Carlos Alberto Parreira (Emirados Árabes) - 24º em 1990
Carlos Alberto Parreira (Arábia Saudita) - 28º em 1998
René Simões (Jamaica) - 22º em 1998
Paulo César Carpegiani (Paraguai) - 14º em 1998
Alexandre Guimarães (Costa Rica) - 19º em 2002
Luiz Felipe Scolari (Portugal) - 4º em 2006
Alexandre Guimarães (Costa Rica) - 31º em 2006
Zico (Japão) - 28º em 2006
Marcos Paquetá (Arábia Saudita) - 29º em 2006
Carlos Alberto Parreira (África do Sul) - 20º em 2010