Histórica livraria que inspirou "Harry Potter" doa clássicos em drive thru

Para uma livraria com 144 ininterruptos anos em funcionamento, a Lello, no Porto, é mesmo bastante inovadora.
Foi a primeira do mundo a cobrar pela entrada de seus visitantes — o valor, de 5 euros, foi uma forma de organizar (e arrecadar com) a ininterrupta horda de turistas que aram a fazer filas para ocupar seus pequenos corredores. Agora, quer entrar para a história como a primeira a ter um "drive thru" de livros.
Com as portas voluntariamente fechadas desde o dia 13 de março para incentivar o distanciamento social proposto pelo governo português em tempos do avanço da pandemia do coronavírus, a livraria decidiu criar o serviço de entrega gratuita de livros aos seus clientes para cumprir o que, em seu comunicado sobre a iniciativa, chama de manter a sua missão de "pôr o mundo inteiro a ler, sempre que haja mundo, leitores e o que ler".
Literatura como refúgio
A depender da Lello, aberta no longínquo ano de 1906, o trio necessário para fazer com que as histórias impressas continuem a encantar os leitores deve perpetuar até mesmo nos tempos mais difíceis. Algo que já se tornou de certa forma até comum na trajetória de um negócio familiar que ou por guerras mundiais, pelo menos uma outra grande epidemia (a Gripe Espanhola) e até mesmo um período de ditadura.
Na circunstância em que os portugueses estão em quarentena desde que o governo local decretou Estado de Emergência há duas semanas, a livraria quer ocupar o tempo livre dos habitantes do Porto (o distrito com mais casos da covid-19 no país) com boa literatura. A partir de hoje, e por tempo indeterminado, um diferente título será entregue (gratuitamente) por dia.
A iniciativa começa com "Mensagem", de Fernando Pessoa, e segue com títulos para adultos, jovens e crianças, de grandes clássicos portugueses e estrangeiros, como "Os Maias", de Eça de Queiroz, "Moby Dick", de Herman Melville, "Peter Pan", de J. M. Berrie, entre outros, todos editados pela própria Lello.
Para ter o aos livros, os leitores interessados devem enviar os seus dados pessoais previamente, através de um email, e no dia agendado, seguir de carro até a livraria (das 10h às 12h) para receber o volume das mãos — devidamente desinfetadas — de um colaborador diretamente pelo vidro, "para não haver nenhum contato", como pontua o comunicado.
"Queremos poder seguir encantando as pessoas com a leitura, até quando tivermos condições financeiras e de pessoal para isso", explica Andreia Ferreira, diretora de marketing e comunicação da Livraria Lello. A expectativa é atender cerca de 120 pessoas por dia. Um número muito inferior aos mais de 3 mil visitantes que am diariamente pela histórica livraria.
Ponto turístico
Mais do que um dos pontos turísticos mais visitados do Porto, a Lello se tornou talvez a mais famosa livraria do mundo por alimentar um folclore local que a ajuda a atrair milhares de pessoas que formam intermináveis filas na histórica Rua das Carmelitas.
Mas se é a fama do universo potteriano que atrai muita gente, é provavelmente a beleza da livraria — e algumas obras da literatura portuguesa, com muitas edições raras — que fazem os turistas ficaram de boca aberta ao entrar ali. Não à toa, a Lello ou a se intitular espertamente como "a mais bela livraria do mundo".
Hoje, adentrar a livraria se tornou uma tarefa custosa: filas, empurrões, disputas degrau a degrau para muitas selfies tiradas frente à escada que remonta a escola de Hogwarts. A Lello, com sua estrutura estreita e fascinante, ficou essencialmente pequena para sua fama. Nem mesmo a cobrança de entrada intimida os muitos turistas, que pouco aproveitam os 5 euros pagos que podem ser revertidos em descontos em alguns dos mais exclusivos volumes impressos em Portugal.
"Bens de primeira necessidade"
Os milhares de livros, infelizmente, perderam o protagonismo nessa pequena livraria que começou como uma editora, herdada a partir do espólio de Ernesto Chardon. Ele, um livreiro francês que se mudou para o Porto no final no século 19 e que, após ganhar na loteria, usou seu dinheiro para editar autores nacionais, como Eça de Queiroz e Camilo Castelo Branco e, assim, se tornar um dos maiores editores do seu tempo — foi Chardon quem lançou a primeira edição de "Os Maias".
Quando os irmãos Lello construíram o espaço onde até hoje se mantém a livraria, na Baixa do Porto, a ideia era promover o legado de Chardon (cujo nome ainda está estampado na vitrine) e fazer de sua paixão pelos livros uma parte da identidade cultural da cidade.
Com o recente fechamento do comércio face aos novos tempos que impõem o isolamento das pessoas em casa, a iniciativa da Lello, chamada de "verdadeiro ato de 'Amor nos Tempos da Cólera'" pela livraria, surgiu depois de uma afirmação da Ministra da Cultura de Portugal que as livrarias poderiam seguir funcionando (desde que de forma limitada e sem contato direto), porque os livros são bens de primeira necessidade.
Hoje, com suas portas fechadas pela primeira vez em toda a sua história, a Lello quer continuar seu propósito de "levar o melhor da literatura aos leitores de todos os tipos, de todas as idades", como explica Andreia Ferreira. Nem que seja através da fresta aberta na janela de um carro.
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