Conheça a história do Cine Bijou, que vai reabrir na Praça Roosevelt

Stanley Kubrick, Luis Buñuel e Ingmar Bergman foram alguns dos nomes exibidos nas telonas do vanguardista Cine Bijou, na Praça Roosevelt, que se manteve em plena forma de meados de 1960 a 1996, resistindo ao período de chumbo da ditadura militar. Com uma trajetória que definitivamente daria um filme, o local será resgatado e reaberto como um autêntico cinema de rua ainda neste semestre.
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Quem a pela movimentada Praça Roosevelt hoje entende que ali mora uma das maiores efervescências culturais da cidade. Do chão, onde deslizam skatistas, até os balcões de bar, onde descem cervejas geladas, o espaço público reúne tribos diversas ao longo de muitas gerações. Mas o que poucos sabem é que o Cine Bijou deu origem à praça e não o contrário.
O nome vem do francês e faz alusão àquilo que foi lapidado para deslumbrar: uma joia, uma obra de arte. Inaugurado em 1962, no número 172, o cinema teve bastante prestígio na época. Tinha pouco mais de 100 lugares e era ponto de encontro de artistas, jornalistas, estudantes, intelectuais e até militares de esquerda, que se reuniam para assistir filmes alternativos e independentes.
Rapidamente foi reconhecido como um "cinema de arte", driblando a censura dos opressores anos de 1964 a 1985. Nas salas que, a partir de 1972, se ampliaram para 300 lugares, foram exibidos filmes cult como "Laranja Mecânica" e "Morangos Silvestres", além de clássicos como "Blade Runner" e "Indiana Jones". Quem não entendia as películas cabeçudas voltava mais de uma vez para absorver a história.
Entre o seleto público estava a psicanalista e cineasta Miriam Chnaiderman, que ava seus sábados e domingos no Bijou, onde se recorda de ter assistido a filmes de Glauber Rocha, Jean-Luc Godard, François Truffaut e Neville de Almeida, além de obras russas e japonesas.
Na época, ela tinha entre 16 e 17 anos, mas conseguia escapar de ser barrada pela classificação etária dos filmes. Mas, um belo dia, o plano não deu certo. "Um juiz de menores me tirou do cinema, eu estava assistindo a 'Vidas Privadas', com a Brigitte Bardot. Aí, com uma amiga, fui ao antigo Cine Coral, na rua 7 de abril, assistir a "Cinzas e Diamantes" do Wajda… Só de birra… De birra e de paixão", lembra.
Ao longo de sua juventude, o ator, diretor e dramaturgo Ivam Cabral vinha bastante do Paraná para São Paulo e sempre incluía uma ida ao cinema nas viagens. O Bijou era uma parada obrigatória. "É um cinema bem especial na minha vida. Minhas primeiras experiências cinematográficas foram ali", conta. Nos anos 1980, ele veio a São Paulo para assistir a "Os 120 Dias de Sodoma". "Foi uma das experiências mais estarrecedoras da minha vida, porque é um filme bem violento, especialmente para um jovenzinho do interior."
Com a ascensão da TV e dos shopping centers, o Bijou fechou as portas em 1996 e tentou uma reabertura em 1999, dessa vez abrigando também a função de teatro. Assim permaneceu até 2003, quando se encerraram as atividades novamente. Ao longo de idas e vindas, surgiu um cineclube para reviver o saudoso Bijou, em outro recinto da cidade, o Teatro Studio 184.
Miriam ainda frequenta os cinemas de rua e torce pelo retorno triunfal de mais salas ao redor de São Paulo. "É uma forma de reconquistar a rua como um espaço público. E a luta é para que a cultura volte a ocupar o lugar que merece em nosso mundo, como possibilidade de exercício de cidadania. Não é só consumindo o que está na televisão que a gente se diverte", acredita.
Retorno às origens
Boa parte da área da Praça Roosevelt, que flertou com a decadência nos anos 1990, permaneceu viva graças à expansão cultural, patenteada pela Companhia Os Satyros, que há 30 anos cria raízes nos arredores, fazendo com que o teatro fosse o principal endereço do entorno. Criou-se uma conexão genuína, um laço familiar e coexistente entre o espaço público e o teatral. Tudo que o cerca é palco para algum espetáculo, mesmo que seja o da própria vida.
Até dezembro do ano ado, funcionava no mesmo local do Bijou o Teatro do Ator. Depois o espaço foi alugado e, com o risco de ser transformado numa igreja ou num bar, Ivam e o sócio, Rodolfo García Vázquez, lutaram para que o endereço voltasse à sua forma original. "Entramos no meio da história porque não queríamos que tivesse essa descaracterização. A negociação foi bem difícil e competitiva, mas deu certo."
A dupla de empresários também tem as mãos envolvidas no cinema. Há cerca de cinco anos, mantêm um núcleo de audiovisual e já produziram dois longa-metragens. Entre os desafios está o da distribuição, uma vez que existem poucos espaços dedicados ao cinema autoral e independente.
Ivam resolveu a questão de forma prática. "Não conseguíamos entrar em cartaz porque não éramos conhecidos. E desde a criação do nosso próprio teatro, não amos por censuras, curadorias e etc. O intuito de trazer o Bijou de volta é também para promover um espaço democrático de cinema", acredita.
Parte da verba necessária para o projeto está sendo arrecadada por meio de financiamento coletivo, uma maneira interessante de contar com o apoio da comunidade na resistência aos variados desafios: da especulação imobiliária ao resgate da memória e a insistência no legado cultural. Agora restam apenas 21 dias de campanha, que suplica pelo mínimo de R$ 10 em contribuições.
O prazo de reabertura, que antes era junho, se esticou para setembro. As reformas já começaram e incluem a recuperação da fachada original e a instalação de 88 poltronas vermelhas na sala. Na programação, há planos de criar o projeto "O filme da minha vida", convidando pessoas conhecidas para falarem e exibirem películas que marcaram suas trajetórias. Será surpresa para os espectadores e uma forma de promover um encontro mais íntimo e presencial ao público.
"Não é mais uma sala qualquer de cinema, mas um espaço onde você vai viver uma grande experiência. Eu tenho chamado até de bunker. Um bunker de resistência para a moçada de cinema, que faz e que consome a sétima arte", argumentou Ivam, que mesmo diante das dificuldades, afirma: este é um caminho sem volta. O show tem que continuar.
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