Colisão à velocidade da luz: como cientistas transformaram chumbo em ouro
Colaboração para Tilt*
13/05/2025 10h53
Físicos da Cern (Organização Europeia para Pesquisa Nuclear), na Suíça, anunciaram o sucesso de um experimento que transformou chumbo em ouro a partir de um acelerador de partículas.
Como funciona o acelerador usado pelos cientistas?
A alquimia busca converter metais comuns em metais preciosos. No caso da transformação do chumbo em ouro, o principal empecilho é a diferença no número de prótons dos dois elementos —são 82 no chumbo e 79 no ouro, o que impossibilita a transmutação por meio da química.
Para conseguir realizar a conversão, os cientistas utilizaram um superacelerador de partículas. O Grande Colisor de Hádrons (LHC, na sigla em inglês) é o maior e mais poderoso acelerador de partículas do mundo, segundo a Cern. Formado por um anel de 27 quilômetros de ímãs supercondutores com diversas estruturas de aceleração, o equipamento é capaz de aumentar a energia das partículas ao longo do caminho.
Dentro do acelerador, dois feixes de partículas de alta energia viajam a velocidades próximas à da luz antes de colidirem. Os feixes viajam em direções opostas em dois tubos mantidos em vácuo ultra-alto, guiados ao redor do anel do acelerador pelo campo magnético produzido pelos eletroímãs, resfriados a -271,3°C, uma temperatura "mais fria que a do espaço sideral", explica a organização. "Grande parte do acelerador é conectada a um sistema de distribuição de hélio líquido, que resfria os ímãs, bem como a outros serviços de abastecimento".
Com os calorímetros de zero grau (ZDC) do detector, a equipe consegue contar o número de interações fóton-núcleo ocorridas no acelerador. Neste experimento, foram medidas as interações que resultaram na emissão de zero, um, dois e três prótons acompanhados por pelo menos um nêutron, que estão associados à produção de chumbo, tálio, mercúrio e ouro, respectivamente.
Ao provocar a colisão de feixes de átomos de chumbo viajando praticamente na velocidade da luz, os pesquisadores fizeram com que os átomos do chumbo assem um pelo outro. O intenso campo eletromagnético formado produz um pulso de energia capaz de fazer com que o núcleo do átomo expulse três prótons —justamente a diferença entre os elementos -, transformando-se em ouro.
Frequentemente, [a altíssima velocidade com que os núcleos de chumbo viajam no acelerador] desencadeia um processo chamado dissociação eletromagnética, pelo qual um fóton interagindo com um núcleo pode excitar oscilações de sua estrutura interna, resultando na ejeção de pequenos números de nêutrons e prótons. Para criar ouro (um núcleo contendo 79 prótons), três prótons devem ser removidos de um núcleo de chumbo nos feixes do LHC
Explicação do processo descrita no portal oficial da CERN
O que aconteceu
A equipe responsável pelo LHC anunciou o resultado da investida. Em estudo publicado esta semana na revista científica Physical Review, os especialistas descreveram o experimento, que aconteceu na Cern, o principal laboratório da Europa voltado à física de partículas, localizado em Genebra, na Suíça.
A transmutação ocorreu por apenas uma fração de segundos e a um custo altíssimo. A transformação se deu muito mais rápido do que um piscar de olhos e foi impossível de se ver a olho nu. O trabalho do CERN, no entanto, é o "primeiro a detectar e analisar de forma sistemática a do ouro na produção do LHC", segundo Uliana Dmitrieva, especialista em física de partículas, em declaração do portal da organização responsável pelo projeto.
O experimento foi repetido diversas vezes entre 2015 e 2018. Durante esse período, foram criados cerca de 86 bilhões de núcleos de ouro, o que corresponde a apenas 29 picogramas — quivalente a um trilhonésimo de um grama. A maioria desses átomos de ouro era instável e durou cerca de um microssegundo antes de se fragmentar. "O total [de ouro produzido a partir do chumbo] ainda representa trilhões de vezes menos do que seria necessário para fazer uma joia", explicam os especialistas do CERN no comunicado oficial.
Os pesquisadores do Cern não planejam começar a produzir ouro. No entanto, a compreensão de como os prótons podem alterar um núcleo vai ajudar no próprio desempenho do LHC, bem como no controle da qualidade dos feixes e da estabilidade do processo.
*Com informações do Estadão Conteúdo